sábado, 26 de novembro de 2016

Quando o novo bater à sua porta, abra-a!

Você não pode trazer o novo para a sua vida; o novo vem. Você pode aceitá-lo ou rejeitá-lo.


Não há nada que você possa fazer para criar o novo, pois o que quer que faça pertencerá ao velho, será decorrência do passado.Mas isso não significa que você tenha que parar de agir. É agir sem desejo ou direção ou impulso vindos do passado - e isso é agir de modo meditativo. Agir espontaneamente. Deixe o momento decidir.
Você não impõe sua decisão, porque a decisão será fruto do passado e ele destruirá o novo. Você age de acordo com o momento, assim como uma criança. Abandone-se completamente ao momento - e você encontrará todos os dias novas aberturas, nova luz, novas introvisões. E essas novas introvisões continuarão a mudar você. O velho não mais subsiste, o velho não o envolve mais como uma névoa. Você é como uma gota de orvalho, fresca e jovem.
Esse é o verdadeiro significado da ressurreição. Se entender isso, você ficará livre da memória - da memória psicológica, quero dizer. A memória é uma coisa morta. A memória não é a verdade nem nunca poderá ser porque a verdade está sempre viva, a verdade é vida; a memória é a persistência daquilo que já não existe mais. É viver em um mundo fantasmagórico que nos limita, é a nossa prisão. Na verdade, esse mundo somos nós. A memória cria o embaraço, o complexo chamado "Eu", o ego. E, naturalmente, essa entidade falsa chamada "Eu" está continuamente com medo da morte. É por isso que você tem medo do novo.
Esse "Eu" é que tem medo, não é você. O ser não tem medo, mas o ego tem, pois ele morre de medo de morrer. O ego é artificial, é arbitrário, é construído. Ele pode se desintegrar a qualquer momento. E, quando o novo entra, surge o medo. O ego fica amedrontado, ele pode se desintegrar. De algum modo ele tem conseguido se manter, tem conseguido se conservar num só pedaço, e agora algo novo aparece - isso vai estilhaçá-lo. Eis porque você não aceita o novo com alegria. O ego não pode aceitar sua própria morte com alegria - como ele pode aceitar sua própria morte com alegria?
A menos que tenha entendido que você não é o ego, você não será capaz de receber o novo. Depois que tiver percebido que o ego é a sua memória do passado e nada mais, que você não é a sua memória, que a memória é só um biocomputador, é uma máquina, um mecanismo, um utilitário, mas que você é mais do que isso... você é consciência, não memória. A memória é um conteúdo da consciência, você é a própria consciência.
Para ser novo, é preciso que você deixe de se identificar com o ego. Depois que faz isso, você já não se importa se ele vai morrer ou viver. Na verdade, você sabe que, se viver ou morrer, ele de qualquer jeito já está morto. Ele é só um mecanismo. Use-o, mas não seja usado por ele. O ego está o tempo todo com medo da morte, pois ele é arbitrário, daí o medo. Ele não surge do ser; não pode surgir do ser, pois o ser é vida - como a vida pode ter medo da morte? A vida não sabe nada sobre a morte. O ego é fruto do arbitrário, do artificial, de algo que foi construído, do falso, do pseudo. E é justamente esse desapego, justamente essa morte do ego que faz um homem estar vivo. Morrer no ego é nascer para o ser.

(OSHO - Coragem - Editora Cultrix)

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Crenças são coisas emprestadas a confiança é sua

A coisa mais difícil na vida é abandonar o passado - porque abandonar o passado significa abandonar toda a nossa identidade, toda a nossa personalidade. Significa renunciar a si mesmo. Porque você é o seu passado; você não é nada mais do que seus condicionamentos.
Largar o passado não é tão simples como trocar de roupa - na verdade, é como se a sua própria pele estivesse sendo arrancada. O seu passado, é tudo o que você conhece de si. E abandoná-lo não é fácil, é um trabalho árduo - é a coisa mais difícil que existe. Mas somente quem se atreve a fazer isso é que vive de verdade. Os demais apenas fingem que vivem, eles simplesmente vão se arrastando de alguma forma por aí. Não tem nenhuma vitalidade, nem poderiam ter. Eles vivem no mínimo, e viver assim é desperdiçar a coisa toda.
O florescimento só acontece quando você vive o seu potencial ao máximo. Deus só se manifesta quando o seu ser e a sua verdade atingem a sua máxima expressão - aí, sim, você começa a sentir a presença do divino.
Quanto mais você desaparece, mais você sente a presença do divino. Mas essa presença só é sentida mais tarde. A primeira condição a ser cumprida é esta: que você desapareça. É uma espécie de morte.
Por isso é tão difícil. Veja bem, os seus condicionamentos estão arraigados de forma muito profunda - desde sempre você vem sendo condicionado; bastou você nascer, e o condicionamento começou. Então, no momento em que você fica um pouco mais alerta, em que começa a se dar conta das coisas, os condicionamentos já se instalaram no âmago do seu ser. Nesse sentido, enquanto você não penetrar no núcleo mais profundo do seu ser - o centro que não foi condicionado, que é anterior aos condicionamentos -, enquanto não recuperar o seu silêncio e a sua inocência, você nunca vai saber realmente quem você é.
Você pode até saber que é hindu, cristão, comunista; pode saber que é indiano, chinês, japonês, e tantas outras coisas - mas tudo isso são apenas condicionamentos que lhe foram impostos.
Você veio ao mundo como um ser profundamente silencioso, puro, inocente. Sua inocência era absoluta.
Meditação significa penetrar nesse núcleo, o centro mais essencial do seu ser. Os praticantes do zen chamam isso de conhecer o seu "rosto original".

(OSHO - Vivendo Perigosamente - A aventura de ser quem você é - Editora Alaúde)

terça-feira, 15 de novembro de 2016

As três categorias do samsara

1. A semente do samsara: o aturdimento

A semente do samsara é o completo oposto do buda ou despertar do sofrimento: é a ignorância, estupidez, aturdimento básico. O aturdimento é um estado psicológico que todos nós experimentamos; inclui o estado de sonho e o estado de sono. Devido ao aturdimento, estamos constantemente sem rumo, sem saber exatamente o que está acontecendo - que é o oposto da consciência ou de dar-se conta. Não ver, não saber, não ter a experiência do que está acontecendo uma constante ausência de rumo - essa é a semente do samsara.

2. A causa do samsara: a fixação.

A segunda categoria do samsara é a causa. A causa é aferrar-se a conceitos vagos. Isso é o que chamamos "fixação", ou dzinpa, em tibetano. Dzin signifca "agarrar", logo, dzinpa significa "fixação" ou "avareza". Já que não temos uma percepção clara, devemos agarrar-nos à imprecisão e à incerteza. Ao fazer isso, começamos a comportar-nos como uma bola de pingue-pongue, que não possui inteligência alguma, mas segue somente a orientação da raquete. Somos golpeados de cá para lá por nossa fixação, como uma bola de pingue-pongue.

Gostaríamos de expressar-nos quando sentimos que somos sabotados ou não somos reconhecidos - gostaríamos de expor-nos a riscos - mas de novo, somos "pingue-pongueados". Às vezes sentimos que temos tanta responsabilidades que gostaríamos de aposentar-nos e desaparecer, mas novamente nos tornamos uma bola de pingue-pongue. O que quer que façamos, nossas ações não são perfeitamente corretas porque, baseados nesse jogo neurótico, continuamos a ser "pingue-pongueados." Embora possa parecer que a bola de pingue-pongue esteja comandando os jogadores, embora pareça surpreendente que uma bola tão pequena tenha tanto poder para dirigir as ações dos jogadores e até mesmo atrair os espectadores e fazê-los prestar atenção nela enquanto vai de um lado para o outro - na realidade isso não é verdade. A bola de pingue-pongue é apenas uma bola. Ela não possui nenhuma inteligência; funciona apenas por reflexo.

3. O efeito do samsara: o sofrimento

Finalmente, chegamos ao efeito. A semente do samsara é o aturdimento; a causa do samsara é a fixação; o efeito é o sofrimento. Já que temos sido jogados constantemente de um lado para o outro, começamos a sentir vertigem. Como uma bola de pingue-pongue, sentimos muita tontura e todo o corpo dói, tantas vezes fomos golpeados de um lado para o outro. A sensação de dor é enorme. Essa é a definição do samsara.

De acordo com a terceira nobre verdade, estamos prevenindo o samsara, ou causando sua cessação, comportando-nos como sang-gye, ou um buda. Parece que a única maneira de poder identificar-nos, ainda que por um breve instante, com a experiência da budeidade é por meio da experiência da prática da atenção plena e da consciência panorâmica. Essa é a mensagem. Nesse ponto, a cessação não é considerada como cessação pura ou resposta completa - ela é a mensagem de que isso é possível. É possível desenvolver a compreensão. É possível desfazer o aspecto mítico e ficcional da cessação e ter experiência de um lampejo de cessação como uma realidade, embora isso possa ser apenas um lampejo muito curto, muito pequeno.

O primeiro passo é dar-nos conta de que estamos em uma desordem samsárica. Embora as pessoas ouçam isso por muitos anos, elas ainda não reconhecem verdadeiramente que estão sendo golpeadas como uma bola de pingue-pongue. É precisamente por isso que estamos no samsara - porque sabemos o que estamos fazendo, mas ainda assim continuamos a fazê-lo. No entanto, ao sermos uma bola de pingue-pongue, ainda temos brechas durante as quais não a somos. Há brechas nas quais experimentamos alguma outra coisa. De fato, enquanto somos uma bola de pingue-pongue, ocorre constantemente outra experiência: a experiência da consciência panorâmica. Começamos a dar-nos conta do que somos, de quem somos e do que estamos fazendo. Mas essa constatação pode levar ao materialismo espiritual, que é outra forma de fixação - estamos sendo "pingue-pongueados" pela espiritualidade. Contudo, também nos damos conta de que, se não houver velocidade, não haverá fixação; portanto, poderemos transcender o materialismo espiritual.

O que contrasta com o samsara é o nirvana, ou paz. Todavia, nesse ponto não temos nada senão o samsara e pequenos pontos de luz que surgem do meio da escuridão. Nossa primeira alternativa ao samsara é a prática da consciência panorâmica e da atenção plena, que nos transporta pela viagem das quatro nobres verdades. Essa parece ser a única maneira. Temos de retroceder para tornar-nos como o Buda. A terceira nobre verdade é simples: o nirvana é possível. Antes de termos completado a cessação, temos de ter a mensagem de que é possível ter a cessação completa.

É possível ter a experiência de um momento do nirvana, um lampejo de cessação. Foi isso que o Buda ensinou em seu primeiro sermão em Sarnath, quando ministrou os ensinamentos sobre as quatro nobres verdades, repetidos por quatro vezes. O Buda disse que a cessação poderia ser experimentada. Disse que o sofrimento deveria ser conhecido; dever-se-ia renunciar à origem do sofrimentoa cessação do sofrimento deveria ser alcançada; e o caminho deveria ser considerado a verdadeira solução.

(As quatro nobres verdades do Budismo e o caminho da Libertação - Chögyam  Trungpa - Compilado e organizado por Judith L Lief - Cultrix)


Viver consciente - Fazer consciente

Podemos dar muitas voltas ao redor do tema disciplina, mas em qualquer delas chegaremos ao ponto central de tudo, a consciência. A atenção desperta é, por si mesma, uma ação de mudança.

Se prestar atenção em sua respiração neste momento, você irá alterá-la; ou respirará mais lentamente, ou mais profundamente, mas não conseguirá prestar atenção na respiração sem modificá-la, pois esse é um atributo da atenção.

Quando damos atenção a uma pessoa, vamos obter uma visão diferente do momento imediatamente anterior. Quando damos atenção a uma ideia que está sendo apresentada, ela imediatamente ganha contornos dentro de nossa imaginação, e isso é um ato de transformação. Ao darmos atenção a um objeto, reconhecemos qualidades ou valores que o  modificam em nossa percepção.

Quando colocamos nossa atenção em algo estamos produzindo mudanças. Esse é um atributo básico da atenção, que é a prática do viver consciente. Com o simples ato de colocar atenção sobre algo, aquilo já adquirirá contornos novos e estaremos mais conscientes de nossa relação com a pessoa, o objeto, a circunstância ou o comportamento.

Outro atributo da consciência é a compreensão. Quanto mais compreendemos determinado processo, mais o dominamos, mais somos capazes de criar sobre ele e mais diversas são as alternativas de que dispomos para alterá-lo.

A compreensão é fruto do conhecimento. Assim, aprender sobre qualquer tema que nos interesse mudar é a forma de compreender o processo e nos tornarmos hábeis para produzir a mudança.
Se aliarmos a atenção à compreensão, então teremos a consciência, que é por si mesma um processo disciplinador. Se soubermos, compreendermos e colocarmos atenção, então mudaremos, sem que seja necessário sobreesforço, trabalho excessivo ou sacrifícios. Esses caminhos são necessários quando nos falta consciência.

(Dulce Magalhães, PhD - Manual da Disciplina para  Indisciplinados - Editora Saraiva)

terça-feira, 8 de novembro de 2016

O poder dos pensamentos vacilantes

A ideia do Künjung, a origem do sofrimento, é que ele progride. Quando nos projetamos numa situação ou em um mundo específico, começamos com um deslocamento da atenção muito pequeno e de curtíssima duração; e a partir disso as coisas são aumentadas e exageradas. De acordo com abhidharma,  a ligação entre as ideias pequenas e as grandes é muito importante. Por exemplo, dramas súbitos, tais como assassinar alguém ou criar um caos imenso, começam no nível de conceitos ínfimos e pequeníssimos deslocamentos de atenção. Algo grande está sendo posto em funcionamento a partir de algo muito pequeno. O primeiro pequeno indício de não gostar ou de ser atraído por alguém aumenta rapidamente e no final causa um drama emocional ou psíquico de escala muitíssimo maior. Portanto, no princípio, tudo começa numa escala minúscula e depois se expande. As coisas começam a crescer e expandir-se até que se tornam muito grandes - imensuravelmente grandes, em muitos casos. Nós mesmos podemos experimentar isso. Esses deslocamentos ínfimos de atenção são o que criam as emoções agressivas, a paixão, a ignorância e tudo o mais. embora sejam aparentemente avassaladoras, enormes e grosseiras, essas emoções tem sua origem nas distorções sutis que ocorrem constantemente em nossa mente.
Devido a esse súbito deslocamento de atenção e porque nossa mente é basicamente destreinada, começamos a ter uma sensação de despreocupação a respeito disso tudo. Estamos constantemente à procura de possibilidades de apropriar-nos de alguém, ou de destruir alguém, ou de aliciar alguém para o nosso mundo. A luta acontece o tempo todo. O problema é que não nos relacionamos adequadamente com essa condição enganadora e evasiva. Temos a experiência do surgimento de tais pensamentos agora mesmo, o tempo todo; caso contrário, a segunda nobre verdade não seria verdadeira - ela seria apenas uma teoria. Pessoas que têm praticado meditação e estudado os ensinamentos, que tem se aberto e interessado, podem receber esse padrão. Se somos praticantes , estamos esfolados e sem pele, o que é bom; no entanto, se somos muito maduros, talvez queiramos escapar ou tentar desenvolver uma casca mais grossa. Ser capaz de relacionar-se com as sutilezas das mudanças mentais está associado ao princípio hinayama de prestar atenção, em pequenas doses, a cada atividade que nos dedicamos. Não existe algo como um psicodrama súbito sem nenhuma causa ou efeito. Cada psicodrama que ocorre em nossa mente ou em nossos atos tem sua origem nos pequenos pensamentos vacilantes e nas pequenas oscilações de atenção.

(As 4 Nobres Verdades do Budismo e o Caminho da Libertação - Chögyam Trungpa - Cultrix)


quarta-feira, 2 de novembro de 2016

A vida é sempre ao ar livre

O ego cerca você como um muro. Ele o convence de que, cercando você desse jeito, ele o protegerá. Essa é a sedução do ego. Ele não pára de lhe dizer: "Se eu não estiver lá, você vai ficar desprotegido, vai ficar muito vulnerável, e será muito arriscado. Portanto, deixe-me guardar você, deixe-me cercá-lo."
De fato o ego dá certa proteção, mas esse muro também faz de você um prisioneiro. Existe uma certa proteção, do contrário ninguém iria sofrer as misérias que o ego traz. Existe uma certa proteção, ele protege você do inimigo - mas protege você dos amigos também.
É exatamente como se você fechasse aporta e se escondesse atrás dela, com medo do inimigo. Então chega um amigo, mas a porta está fechada, ele não pode entrar. Se você tiver muito medo do inimigo,  o amigo também não poderá chegar até você. E, se abrir a porta para ele, existe o risco de que o inimigo também entre.
É preciso pensar nisso profundamente; trata-se de um dos maiores problemas da vida. E só algumas poucas pessoas corajosas o enfrentam da forma correta; as outras se acovardam e se escondem, levando a perder toda a vida delas.
A vida é arriscada, a morte não oferece riscos. Morra e os problemas se acabarão para você e ninguém mais vai matá-lo, porque como é que alguém poderá matá-lo se você já está morto? Entre numa cova e ponha um fim na questão! Então não haverá mais doença, nem preocupação, nem problema - você estará livre de todos os problemas.
Mas, se você estiver vivo, então haverá um milhão de problemas. Quanto mais viva a pessoa estiver, mais problemas ela terá. Mas não há nada de errado nisso, porque lutar com os problemas, enfrentar desafios é a forma pela qual crescemos.
O ego é um muro sutil em torno de você. Ele não deixa que ninguém o invada. Você se sente protegido, seguro, mas essa segurança é como a morte. É a segurança da planta dentro da semente. A planta tem medo de germinar porque, vai saber - o mundo é tão perigoso e a planta será tão delicada, tão frágil. Por trás dos muros da semente, escondida dentro da cela, tudo é protegido.
Ou pense numa criancinha no útero da mãe. Tudo está ali, qualquer coisa de que a criança precise é imediatamente providenciado. Não existe preocupação, luta ou futuro. A criança simplesmente vive sua bem-aventurança. Todas as necessidades são preenchidas pela mãe.
Mas você gostaria de ficar a vida toda no útero da mãe? É um lugar bem protegido. Se lhe fosse dada a chance, você optaria por ficar ali para sempre? É muito confortável; o que poderia ser mais confortável do que isso? Os cientistas dizem que ainda não fomos capazes de criar uma situação mais confortável do que o útero materno. O útero parece ser o máximo em conforto. Tão confortável - sem preocupação, sem problemas, sem precisar trabalhar. Uma vida simples. E tudo é fornecido automaticamente - surge a necessidade e na mesma hora ela é atendida. Não há sequer o incômodo de respirar - a mãe respira pela criança. Não é preciso se incomodar com a comida - a mãe se alimenta pela criança.
Mas você gostaria de ficar para sempre no útero materno? É confortável, mas não é vida. A vida é sempre ao ar livre. A vida é lá fora.
A palavra êxtase é muito significativa. Significa ficar fora. Êxtase significa sair - sair de todas as conchas e de todas as proteções e de todos os egos e de todos os confortos, de todos os muros que se assemelhem à morte. Estar em êxtase significa sair, ficar livre, estar em movimento, ser um processo, ser vulnerável a ponto de os ventos poderem vir e passar por você.
Em inglês, existe uma expressão; às vezes se diz. "That experience was outstanding". É exatamente esse o significado do êxtase: outstanding, literalmente, "estar fora".
Quando a semente germina e a luz escondida ali dentro começa a se manifestar, quando uma criança nasce e deixa o útero, deixa todos os confortos e todas as conveniências, ela vai ao encontro do mundo desconhecido - é o êxtase. Quando o pássaro quebra o ovo e voa para o céu, é o êxtase.
O ego é o ovo, e você terá que sair dele. Seja extasiante! Deixe de lado todas as proteções, conchas e seguranças. Só então você alcançará o mundo mais amplo, a vastidão, o infinito. Só então você viverá, e viverá com abundância.
Mas o medo o deixa aleijado. A criança, antes de sair do útero, provavelmente também hesita em sair ou não do útero. Ser ou não ser? Ela dá um passo para frente e outro para trás. Talvez por isso a mãe sinta tanta dor. A criança hesita, ela ainda não está totalmente pronta para ficar extasiada. O passado a puxa para trás, o futuro a impele para a frente, e a criança fica dividida.
Esse é o muro da indecisão, do apego ao passado, do apego ao ego. E você o carrega por todo lugar. Às vezes, em raros momentos, quando está muito vivo e alerta, você é capaz de perceber esse muro. Mas, na maior parte do tempo, embora seja um muro bem transparente, você não consegue enxergá-lo. Pode-se viver a vida toda - e não apenas uma, mas muitas - sem tomar consciência de que se está vivendo dentro de uma cela, sem saída para lugar nenhum, sem janelas, o que Leibnitz costumava chamar de "mônada". Sem portas, sem janelas, só fechado ali dentro - embora se trate de um muro de vidro, transparente.
Esse ego tem de ser deixado para trás. É preciso reunir coragem e deixá-lo espatifar no chão. As pessoas continuam alimentando-o de mil formas diferentes, sem saber que estão criando um inferno particular.
A sra. Cochrane estava em pé ao lado do caixão do marido.
O filho deles, ao lado dela. Parentes e amigos passavam, um a um, examinando o morto.
- Ele não sente mais dor agora, comentou a sra. Croy.
- Do que ele morreu?
- Pobre homem - disse a sra. Cochrane -, morreu de gonorreia!
Outra mulher fitou o corpo.
- Já está livre da doença agora. Há um sorriso sereno estampado no rosto dele. Do que morreu?
- Morreu de gonorreia, repetiu a viúva.
De repente o filho puxou a mãe de lado:
- Mãe, não diga isso de papai. Ele não morreu de gonorreia. Morreu de diarreia!
- Sei disso! - retrucou a sra. Cochrane. - Mas prefiro que pensem que ele morreu como um homem de verdade, não como a porcaria que era!
Até o fim, as pessoas continuam a fazer joguinhos.
O ego não deixa que elas sejam verdadeiras; ele as obriga a serem falsas. O ego é mentiroso, mas é a pessoa que tem de decidir. É preciso grande coragem porque, com ele, também será destruído tudo o que você tem acalentado até hoje. Todo o seu passado será aniquilado. Com ele, você será totalmente aniquilado. Haverá alguém ali, mas você não será essa pessoa. Uma entidade diferente emergirá de dentro de você - renovada, não-corrompida pelo passado. Então não haverá mais muro; independentemente do que você será, você poderá vislumbrar o infinito sem fronteiras.
O velho, ao entrar no seu botequim favorito, descobriu que a garçonete de sempre havia sido trocada por outra que ele não conhecia. Surpreendeu-se a princípio, mas depois disse galantemente à moça que há muito tempo ele não via uma garota tão atraente como ela.
A nova garçonete. um tipo meio arrogante, olhou-o com desdém e respondeu com aspereza:
- Sinto não poder dizer o mesmo.
- Ah, bem, minha cara - respondeu o velho placidamente - Você não poderia ter feito como eu? Ter simplesmente mentido?
Todas as formalidades dos seres humanos não fazem nada mais do que ajudar o ego uns dos outros. São mentiras. Você diz alguma coisa a alguém e essa pessoa retribui o cumprimento. Nem você nem a outra pessoa são verdadeiros. Continuamos com joguinhos: etiqueta, formalidades, rostos e máscaras civilizadas.
Então você terá de olhar  para o muro. E, pouco a  pouco, ele vai ficar tão espesso que você  não vai mais conseguir ver nada. O muro vai ficando mais e mais espesso a cada dia - portanto, não espere. Se você começou a sentir que ergueu um muro em torno de si, derrube-o! Pule para fora! Basta que decida transpô-lo, nada mais. Então a partir de amanhã não o alimente mais. E, cada vez que perceber que o está cultivando, pare. Dentro de alguns dias, você verá que ele morreu, pois precisa do seu apoio constante, precisa do seu apoio constante, precisa ser alimentado em seu seio.

(CORAGEM - O prazer de viver perigosamente - Cultrix - OSHO)

O que quer que você faça a vida é um mistério

A mente tem certa dificuldade para aceitar a ideia de que existe algo que não seja explicável. A mente tem um anseio urgente de que tudo seja explicado...se não explicado, pelo menos justificado! Qualquer coisa que seja um enigma, um paradoxo, deixará a mente atormentada.
Toda a história da filosofia, da religião, da ciência, da matemática, tem a mesma raiz, a mesma mente - o mesmo comichão. Você pode se coçar de uma maneira, outra pessoa de outra, mas o comichão tem de ser entendido. O comichão é a crença de que a existência não é um mistério. A mente só consegue se sentir em casa se a existência for de alguma forma desmistificada.
A religião fez isso criando Deus, o Espírito Santo, o Filho Bem Amado; cada religião criou uma coisa diferente. Essa maneira que encontraram para tapar o buraco que não é possível tapar; o que quer que você faça, o buraco estará lá. O seu esforço para tapá-lo mostra o medo que você tem de que alguém vá ver o buraco.
Toda a história da mente, em suas diferentes ramificações, tem sido fazer uma colcha de retalhos para esconder esse buraco - principalmente na matemática, porque a matemática é  puramente um jogo mental. Existem matemáticos que não concordam com isso, assim como existem teólogos que acham que Deus é uma realidade. Deus é só uma ideia. E, se os cavalos tivessem ideias, Deus seria um cavalo. Você pode ter certeza absoluta de que ele não seria um homem, porque o homem tem sido tão cruel com os cavalhos que ele só pode ser concebido como um demônio, não como Deus. Mas então todo o animal teria uma ideia própria do que seria Deus, assim como cada raça humana tem a sua própria ideia de Deus.
As ideias servem como substitutos quando a vida é um mistério e você encontra lacunas que não podem ser  preenchidas pela realidade. Você preenche essas lacunas com ideias; e pelo menos começa a sentir satisfação pelo fato de a vida poder ser entendida.
Você já parou para pensar na palavra entender? Significa ficar abaixo de você. É estranho que essa palavra tenha pouco a pouco adquirido um significado tão distante da ideia original: qualquer coisa que você possa  por abaixo de você, que esteja sob os seus pés, sob o seu poder, sob o seu sapato, é algo com relação ao qual você pode se considerar mestre.
As pessoas tem tentado entender a vida dessa maneira, de modo que possam colocá-las sob os pés e declarar: "Somos mestres, agora já não há nada que não possamos entender."
Mas isso é impossível. O que quer que você faça, a vida é um mistério e vai continuar sendo um mistério.
EM TODO LUGAR, EXISTE ALGO QUE ESTÁ ALÉM. Estamos cercados pelo além. Esse além é Deus; esse além tem de ser desbravado. Ele está dentro, está fora; está sempre ali. E, se você se esquecer disso...  como costumamos fazer, porque é muito desconfortável, inconveniente, olhar além. É como se estivéssemos olhando para dentro de um abismo e começássemos a tremer, a sentir vertigem. A própria consciência do abismo faz com que você comece a tremer. Ninguém olha no fundo de um abismo; seguimos caminho mantendo os olhos em outra direção; seguimos caminho evitando o real. O real é como um abismo, porque o real é um grande vazio. É um céu imenso sem fronteiras. Buda disse: Durangama - esteja pronto para ir além. Nunca fique confinado  por fronteiras; ultrapasse-as sempre. Estabeleça fronteiras se precisar delas, mas lembre-se sempre de que você tem que cruzá-las. Nunca crie prisões.
Nós criamos muitos tipos de prisão: relacionamentos, crenças, religião - tudo isso é prisão. Sentimos aconchego porque não há ventos fortes soprando. Sentimo-nos protegidos - embora essa proteção seja falsa, pois a morte virá e nos levará para o além. Antes que a morte venha e leve você para o além, siga para lá por conta própria.
Uma história:
Um monge zen estava à beira da morte. Era muito velho, tinha noventa anos. De repente ele abriu os olhos e disse:
- Onde estão os meus sapatos?
- Aonde o senhor vai? - perguntou o discípulo. - Ficou louco? O senhor está morrendo e o médico disse que não há mais nenhuma possibilidade de salvá-lo; só restam uns poucos minutos.
- É por isso que estou procurando os meus sapatos - respondeu o monge. - Eu gostaria de ir ao cemitério porque não quero ser levado para lá. Irei andando com minhas próprias pernas e lá encontrarei a morte. Não quero ser levado. E você me conhece - eu nunca me apoiei em ninguém. Será uma cena muito feia, quatro pessoas me carregando. Não.
O monge andou até o cemitério. Não só andou até lá como cavou sua própria cova, deitou-se nela e morreu. Que coragem de aceitar o desconhecido, que coragem de seguir por si mesmo e dar as boas-vindas ao além! Assim a morte é transformada; ela deixa de ser morte.
Um homem corajoso como esse nunca morre; a morte é derrotada. Um homem corajoso como esse transcende a morte. Para aquele que segue para o além com as próprias pernas, o além nunca é como a morte. Então o além passa a ser bem-vindo. Se você dá as boas-vindas ao além, ele também lhe dá as boas-vindas; o além sempre imita você.

(CORAGEM - O prazer de viver perigosamente - OSHO - Cultrix)

A Parábola do Semeador - Evangelho Segundo o Espiritismo - Allan Kardec

5 - Jesus, ao sair de casa, sentou-se à beira-mar, e uma grande multidão de pessoas reuniu-se ao seu redor. Assim, Ele subiu em um barco, e...