A semente do samsara é o completo oposto do buda ou despertar do sofrimento: é a ignorância, estupidez, aturdimento básico. O aturdimento é um estado psicológico que todos nós experimentamos; inclui o estado de sonho e o estado de sono. Devido ao aturdimento, estamos constantemente sem rumo, sem saber exatamente o que está acontecendo - que é o oposto da consciência ou de dar-se conta. Não ver, não saber, não ter a experiência do que está acontecendo uma constante ausência de rumo - essa é a semente do samsara.
2. A causa do samsara: a fixação.
A segunda categoria do samsara é a causa. A causa é aferrar-se a conceitos vagos. Isso é o que chamamos "fixação", ou dzinpa, em tibetano. Dzin signifca "agarrar", logo, dzinpa significa "fixação" ou "avareza". Já que não temos uma percepção clara, devemos agarrar-nos à imprecisão e à incerteza. Ao fazer isso, começamos a comportar-nos como uma bola de pingue-pongue, que não possui inteligência alguma, mas segue somente a orientação da raquete. Somos golpeados de cá para lá por nossa fixação, como uma bola de pingue-pongue.
Gostaríamos de expressar-nos quando sentimos que somos sabotados ou não somos reconhecidos - gostaríamos de expor-nos a riscos - mas de novo, somos "pingue-pongueados". Às vezes sentimos que temos tanta responsabilidades que gostaríamos de aposentar-nos e desaparecer, mas novamente nos tornamos uma bola de pingue-pongue. O que quer que façamos, nossas ações não são perfeitamente corretas porque, baseados nesse jogo neurótico, continuamos a ser "pingue-pongueados." Embora possa parecer que a bola de pingue-pongue esteja comandando os jogadores, embora pareça surpreendente que uma bola tão pequena tenha tanto poder para dirigir as ações dos jogadores e até mesmo atrair os espectadores e fazê-los prestar atenção nela enquanto vai de um lado para o outro - na realidade isso não é verdade. A bola de pingue-pongue é apenas uma bola. Ela não possui nenhuma inteligência; funciona apenas por reflexo.
3. O efeito do samsara: o sofrimento
Finalmente, chegamos ao efeito. A semente do samsara é o aturdimento; a causa do samsara é a fixação; o efeito é o sofrimento. Já que temos sido jogados constantemente de um lado para o outro, começamos a sentir vertigem. Como uma bola de pingue-pongue, sentimos muita tontura e todo o corpo dói, tantas vezes fomos golpeados de um lado para o outro. A sensação de dor é enorme. Essa é a definição do samsara.
De acordo com a terceira nobre verdade, estamos prevenindo o samsara, ou causando sua cessação, comportando-nos como sang-gye, ou um buda. Parece que a única maneira de poder identificar-nos, ainda que por um breve instante, com a experiência da budeidade é por meio da experiência da prática da atenção plena e da consciência panorâmica. Essa é a mensagem. Nesse ponto, a cessação não é considerada como cessação pura ou resposta completa - ela é a mensagem de que isso é possível. É possível desenvolver a compreensão. É possível desfazer o aspecto mítico e ficcional da cessação e ter experiência de um lampejo de cessação como uma realidade, embora isso possa ser apenas um lampejo muito curto, muito pequeno.
O primeiro passo é dar-nos conta de que estamos em uma desordem samsárica. Embora as pessoas ouçam isso por muitos anos, elas ainda não reconhecem verdadeiramente que estão sendo golpeadas como uma bola de pingue-pongue. É precisamente por isso que estamos no samsara - porque sabemos o que estamos fazendo, mas ainda assim continuamos a fazê-lo. No entanto, ao sermos uma bola de pingue-pongue, ainda temos brechas durante as quais não a somos. Há brechas nas quais experimentamos alguma outra coisa. De fato, enquanto somos uma bola de pingue-pongue, ocorre constantemente outra experiência: a experiência da consciência panorâmica. Começamos a dar-nos conta do que somos, de quem somos e do que estamos fazendo. Mas essa constatação pode levar ao materialismo espiritual, que é outra forma de fixação - estamos sendo "pingue-pongueados" pela espiritualidade. Contudo, também nos damos conta de que, se não houver velocidade, não haverá fixação; portanto, poderemos transcender o materialismo espiritual.
O que contrasta com o samsara é o nirvana, ou paz. Todavia, nesse ponto não temos nada senão o samsara e pequenos pontos de luz que surgem do meio da escuridão. Nossa primeira alternativa ao samsara é a prática da consciência panorâmica e da atenção plena, que nos transporta pela viagem das quatro nobres verdades. Essa parece ser a única maneira. Temos de retroceder para tornar-nos como o Buda. A terceira nobre verdade é simples: o nirvana é possível. Antes de termos completado a cessação, temos de ter a mensagem de que é possível ter a cessação completa.
É possível ter a experiência de um momento do nirvana, um lampejo de cessação. Foi isso que o Buda ensinou em seu primeiro sermão em Sarnath, quando ministrou os ensinamentos sobre as quatro nobres verdades, repetidos por quatro vezes. O Buda disse que a cessação poderia ser experimentada. Disse que o sofrimento deveria ser conhecido; dever-se-ia renunciar à origem do sofrimento; a cessação do sofrimento deveria ser alcançada; e o caminho deveria ser considerado a verdadeira solução.
(As quatro nobres verdades do Budismo e o caminho da Libertação - Chögyam Trungpa - Compilado e organizado por Judith L Lief - Cultrix)
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