quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O Discurso do Método II...





Minha terceira máxima era a de procurar sempre antes vencer a mim próprio do que ao
destino, e de antes modificar os meus desejos do que a ordem do mundo; e, em geral, a de
habituar-me a acreditar que nada existe que esteja completamente em nosso poder, salvo os
nossos pensamentos, de maneira que, após termos feito o melhor possível no que se refere às
coisas que nos são exteriores, tudo em que deixamos de nos sair bem é, em relação a nós,
absolutamente impossível. E somente isso me parecia suficiente para impossibilitar-me, no
futuro, de desejar algo que eu não pudesse obter, e, assim, para me tornar contente. Pois, a
nossa vontade, tendendo naturalmente para desejar apenas aquelas coisas que nosso
entendimento lhe representa de alguma forma como possíveis, é certo que, se considerarmos
igualmente afastados de nosso poder todos os bens que se encontram fora de nós, não
deploraremos mais a falta daqueles que parecem dever-se ao nosso nascimento, quando deles
formos privados sem termos culpa, do que deploramos não possuir os remos da China ou do
México; e que fazendo, como se diz, da necessidade virtude, não desejaremos mais estar sãos,
estando doentes, ou estar livres, estando presos, do que desejamos ter agora corpos de uma
matéria tão pouco corruptível quanto os diamantes, ou asas para voar como as aves. Mas
confesso que é preciso um longo adestramento e uma meditação freqüentemente repetida para
nos habituarmos a olhar todas as coisas por este ângulo; e acredito que é principalmente nisso
que consistia o segredo desses filósofos, que puderam em outros tempos esquivar-se do
império do destino e, apesar das dores e da pobreza, pleitear felicidade aos seus deuses. Pois,
ocupando-se continuamente em considerar os limites que lhes eram impostos pela natureza,
convenceram-se tão perfeitamente de que nada estava em seu poder além dos seus
pensamentos, que só isso bastava para impossibilitá-los de sentir qualquer afeição por outras
coisas; e os utilizavam tão absolutamente que tinham neste caso especial certa razão de se
julgar mais ricos, mais poderosos, mais livres e mais felizes que quaisquer outros homens, os
quais, não tendo esta filosofia, por mais favorecidos que sejam pela natureza e pelo destino,
nunca são senhores de tudo o que desejam.
 
(René Descartes - O Discurso do Método)

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