A incredulidade se divertiu com esta máxima: Bem-aventurados os pobres de espírito, como com outras coisas, sem a compreender. Por pobres de espírito Jesus não entende os homens desprovidos de inteligência, mas os humildes: ele dise que o reino dos céus é deles e não dos orgulhosos.
Os homens de ciência e de espírito, segundo o mundo, têm geralmente tão alta consideração de si mesmos e de sua superioridade, que olham as coisas divinas como indignas de sua atenção; seus olhares, concentrados sobre sua pessoa, não podem se elevar até Deus. Essa tendência a se crer acima de tudo não os leva senão, muito frequentemente, a negar o que, estando-lhes acima, poderia rebaixá-los, e negar mesmo a Divindade; ou, se consentem em admiti-la, contestam-lhe um dos seus mais belos atributos: sua ação providencial sobre as coisas deste mundo, persuadidos de que só eles bastam para bem governá-lo. Tomando sua inteligência por medida da inteligência universal, e se julgando aptos a tudo compreender, não podem crer na possibilidade daquilo que não compreendem, quando pronunciam seu julgamento, têm-no por inapelável.
Se se recusam a admitir o mundo invisível e um poder extra-humano, não é, entretanto, porque isso esteja acima de sua capacidade, mas porque seu orgulho se revolta com a ideia de uma coisa acima da qual não podem se colocar, e que os faria desceer de seu pedestal. Por isso,eles não têm senão sorrisos de desdém por tudo o que não é do mundo visível e tangível; eles se atribuem muito de espírito e de ciência para crerem nessas coisas, segundo eles, boas para as pessoas simples, tendo aueles que as levam a sério por pobres de espírito.
Entretanto, o que quer que digam, lhes será preciso entrar, como os outros, nesse mundo invisível que ridicularizam, quando seus olhos serão abertos e reconhecerão seu erro. Mas Deus, que é justo, não pode receber na mesma categoria aquele que menosprezou seu poder e aquele que se submeteu humildemente às suas leis, nem os igualar.
Em dizendo que o reino dos céus é para os simples, Jesus quer dizer que ninguém é nele admitido sem a simplicidade de coração e a humildade de espírito; que o ignorante que possui essas qualidades será preferido ao sábio que crê mais em si do que em Deus. Em todas as circunstâncias, ele coloca a humildade no plano das virtudes que nos aproximam de Deus, e o orgulho entre os vícios que nos distanciam dele; e isso por uma razão muito natural, de vez que a humildade é um ato de submissão a Deus, enquanto que o orgulho é uma revolta contra ele. Mais vale, pois, para a felicidade do homem, ser pobre em espírito, no sentido do mundo, rico em qualidades morais.